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Desinformação: propagação de fake news pode ser crime e precisa parar

O eterno debate entre combate à desinformação e a liberdade de expressão: é isso que abordaremos neste artigo com um olhar jornalístico da autora. Para se ter uma ideia, 44% dos brasileiros recebem fake news diariamente, é o que afirma um estudo publicado pela Poynter Institute (e financiado pelo Google), que entrevistou cerca de nove mil pessoas ao redor do mundo. A pesquisa foi publicada em agosto deste ano e também constatou que 62% dos entrevistados são alvo de informações duvidosas toda semana, pelos mais diversos canais. 

Embora o termo (que, quando traduzido, significa “notícias falsas”) exista há bastante tempo, ele ganhou notoriedade e força mundial em 2016, com a eleição presidencial nos Estados Unidos. Na ocasião, informações falsas sobre a candidata Hillary Clinton foram divulgadas e propagadas pelos eleitores de Donald Trump.

Se você quer se aprofundar no assunto de como o mercado (sim, as fake news se tornaram um nicho lucrativo e organizado) das notícias falsas atua, desde a criação até a publicação, o Correio Braziliense fez uma reportagem especial primorosa sobre o assunto, que pode ser acessada clicando aqui

No Brasil, elas viraram uma enxurrada de desinformação nas mais variadas ocasiões e assuntos: eleições, pandemia, saúde pública, universo LGBTQIAP+, comunidade, gestão, etc. E não pense que são criadas por pessoas que não possuem o conhecimento necessário e estão simplesmente passando uma informação errada: segundo a própria investigação do Correio, as notícias são feitas por especialistas e pessoas muito influentes como políticos (que fazem a contratação de equipes para este fim), profissionais da área de comunicação e tecnologia, escritores, pesquisadores e até policiais para garantir a segurança.

O Instituto Mundial de Pesquisa (IPSO) divulgou, em 2018, o levantamento “Fake news, filter bubbles, post-truth and trust (Notícias falsas, filtro de bolhas, pós-verdade e verdade)”, que possui dados assustadores: 62% dos brasileiros admitiram ter acreditado em alguma notícia falsa, o que é um percentual acima da média mundial que ficou em 48%. Ainda mais alarmante, o Reuters Institute Digital News Report (2020) revelou que, no Brasil, o WhatsApp é a segunda principal rede de discussão e troca de notícias, ficando atrás somente do Facebook: 48% dos pesquisados utilizam o app como fonte de informação. Em países como Austrália, Inglaterra e Canadá, este mesmo percentual chega a, no máximo, 8%. 

Consequências

Com todos esses números, percebemos que a disseminação e creditação  de informações de caráter duvidoso pode ter um impacto muito maior no nosso país. Embora o Código Penal brasileiro possa ser aplicado quando falamos em fake news, o sistema de investigação e a tecnologia envolvida ainda são precários comparados aos dos criadores deste tipo de conteúdo.

Ainda que postar uma mentira na internet não seja um crime propriamente dito, as consequências da atitude são. O dano que ela causa pode ser enquadrado em crime contra a honra, racismo, preconceito racial, homofobia, calúnia, difamação, entre outros. 

É importante mencionar, porém, que o projeto de lei das fake news está em tramitação na Câmara dos Deputados e, caso seja aprovado, o crime das notícias falsas vai existir, de fato: a propagação em massa de mentiras por meio de contas automatizadas terá pena de um a três anos de reclusão, além de multa. 

Na maioria dos casos,  as pessoas nos grupos do WhatsApp que são as receptoras deste tipo de conteúdo, não percebem o mal que ele pode causar. Vou citar alguns exemplos bastante trágicos:

  • Caso Fabiane Maria de Jesus

Um 2014, uma dona de casa, casada e mãe de duas crianças morreu por ter sido agredida até a morte por moradores de Guarujá (SP). A disseminação de fake news com um retrato falado de uma sequestradora de crianças fez com que ela fosse confundida com a suposta criminosa.

  • Saúde pública

Segundo dados do Ministério da Saúde (DataSUS) doenças erradicadas no país estão ressuscitando e vão piorar ainda mais nos próximos anos. As informações falsas divulgadas durante a pandemia motivaram movimentos antivacinação: o Brasil não atingiu nenhuma das metas de cobertura das vacinas infantis do PNI (Programa Nacional de Imunização), embora todas as doses sejam gratuitas, eficazes, seguras e obrigatórias.

  • Preconceito, homofobia e xenofobia

O Ministério da Educação (MEC) precisou ir a público em 2016 para informar que, ao contrário dos boatos, não havia nenhum kit gay sendo distribuído nas escolas da rede pública. 

O discurso de ódio, com uma série de informações de embrulhar o estômago, que circula, por exemplo, contra os imigrantes venezuelanos que chegaram para pedir refúgio no Brasil, fez com que um ataque de moradores da cidade de Paracaima, em Roraima, acontecesse no acampamento onde estavam instaladas as pessoas vindas do outro país.  

Como identificar uma notícia falsa

No jornalismo sério feito pelos veículos de comunicação renomados, a ordem de sempre é checagem, verificação, pesquisa e mais checagem, verificação e pesquisa. Precisamos (me incluo nesta, como jornalista que sou) ter ética e, além disso, saber das sérias consequências que uma informação falsa, enganosa ou errada pode trazer e causar.

Hoje existem agências de checagem de notícias que analisam se as informações presentes na internet ou espalhadas pelos grupos de WhatsApp são verdadeiras ou enquadradas nas fake news, elenco algumas:

Além disso, segundo a International Federation of Library Associations and Institutions (IFLA), algumas dicas para ajudar a identificar uma fake news são:

01 - Considere a fonte da informação: no caso de um link, por exemplo, olhe o site em questão, veja as outras notícias ou conteúdos publicados ali e analise o expediente e a credibilidade;

02 - Leia o texto completo: os títulos, em sua maioria, são apelativos e podem levar uma informação tirada de um contexto. Analise o conteúdo inteiro e interprete a informação, verificando se aquilo faz sentido;

03 - Veja a autoria: olhe se existe o nome do autor, o expediente do jornal e coloque os dados no Google. Analise se o escritor é real ou possui outros artigos publicados;

04 - Procure outras fontes: os veículos de comunicação renomados estão dando a notícia? Se não, acesse um dos links acima;

05 - Cheque a data da publicação e se é mesmo uma informação: muitas vezes os criadores de fake news se aproveitam de notícias muito velhas e mudam o contexto. Ainda, veja se aquilo não é apenas uma charge, um meme ou uma sátira;

06 - Revise seus preconceitos: em tese, uma informação precisa ser repassada de maneira imparcial, nua e crua. Deixe de lado seus preconceitos e posicionamentos para analisar a veracidade dos fatos;

07 - Especialistas: fontes críveis de informação jornalística não têm o prestígio e renome que possuem repassando fake news. Analise se o autor é jornalista, se é de fato um especialista naquilo que está repassando ou, no mínimo, está analisando os dois lados da situação.

AUTOR DO TEXTO:
Fabíola Cottet
Sócia-diretora | Jornalista
É co-autora do livro "Em pauta: manual prático da comunicação organizacional", publicado pela Editora Intersaberes. Jornalista, especialista em assessoria de imprensa e gestão de crise.

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